Para não esquecer. Nunca!
Sábado, 17 de Novembro de 2007
A Anne Frank polaca

Nota: a editora é a Sextante. Encontrei aqui (clicar) uma página de venda on-line para quem quiser. Em todo o caso, de certeza que existe nas livrarias, sobretudo na Bulhosa onde foi o lançamento. É um livro pequeno (esta é para ver se entusiasmo quem se assusta com livros de muitas páginas!!!).

 

 


Por Alexandra Lucas Coelho
Em 1943, Rutka, uma judia de 14 anos, foi levada para Auschwitz, onde morreu. Deixou um diário escondido sob as tábuas da escada, em casa, escrito em 1943. Uma amiga guardou-o, até recentemente o divulgar. Acaba de ser publicado em Portugal pela Sextante e hoje Zahava (Laskier) Scherz apresenta-o em Lisboa, na Bulhosa de Entrecampos, às 18h30. Zahava é irmã de Rutka e contou ao P2 a história do diário e a sua descoberta de Rutka. Nascida em 1949, em Israel, Zahava tinha 14 anos quando soube dessa irmã perdida no Holocausto.
Foi uma descoberta muito chocante. Eu não sabia que o meu pai fora casado antes. Sabia que ele perdera a família de origem, porque nunca tive avô nem avó, mas não sabia que fora casado e tivera filhos. E quando descobri senti-me muito próxima da filha, Rutka. Também do filho, Henius, mas especialmente da rapariga que via nas fotografias - tão próxima que quando a minha filha nasceu lhe dei o mesmo nome, Ruthie. É um momento que nunca esqueci e que de alguma forma deu a volta à minha vida. Mas não inteiramente, porque o meu pai e eu não falávamos tanto assim disso. Ele preferia proteger-me de todas as memórias do Holocausto. Proteger-me, e talvez proteger-se. Mas essa descoberta influenciou seguramente a minha vida. A 13 de Janeiro de 2006, acabava eu de voltar de uma viagem à América do Sul e a Londres, recebi um telefonema de Menachem Lior, um guia de Bedzin [pequena cidade no sul da Polónia]. Eu não o conhecia. Perguntou-me se eu era filha de Yaacov Laskier e quando confirmei ele disse: "Há algo muito emocionante. Foi encontrado um diário em Bedzin e a autora é Rutka Laskier. Sabe quem ela é?" Eu disse: "Sim, sei que é a filha do meu pai." Ele disse: "Bem, ela escreveu um diário, estamos bastante certos disso. E é uma escrita de grande qualidade. Os polacos estão muito excitados, chamam-lhe a Anne Frank polaca. Querem publicar o diário e estão à procura da família." Nesse momento senti que os céus estavam a cair. Não leio nem falo polaco. É algo típico nas crianças nascidas em Israel a seguir à guerra: uma nova vida estava a começar, não era bem visto falar a língua das velhas cidades, dos velhos países. Falavam sempre hebraico comigo. Mas através de famílias que falavam polaco, depois de saber que o diário existia, contactei Adam Szydlowski, que faz parte da Câmara Municipal de Bedzin e é uma espécie de representante da vida judaica local. Convidaram-me a ir a Bedzin em Maio e comecei a fazer contactos com sobreviventes desse tempo que viviam em Israel. Ainda antes de ir à Polónia, por causa de viagens a Inglaterra em trabalho, conheci Linka Gold, que era muito amiga de Rutka e hoje vive em Londres. Apresentei-me e fui a casa dela. Confirmou-me o que Rutka diz no diário, que ficaram as duas juntas durante uma "Aktionen", que era quando os alemães reuniam todos os judeus, e os queriam enviar para exterminação. Linka e Rutka conseguiram fugir. Linka contou-me isso, e a vida que tinham nesse tempo. Iam à mesma escola, tinham os mesmos amigos. Linka tinha um caderno de memórias, como as meninas tinham - também no meu tempo -, em que as pessoas escreviam pequenas notas, para recordação. Mostrou-me uma das notas: era de Rutka. E disse que todas as outras raparigas que escreveram notas morreram no Holocausto.
Foi muito emocionante ver a escrita de Rutka. Era algo que uma rapariga escreveria, não me lembro bem, algo como "as coisas acontecem e temos que aproveitar a vida tão bem quanto podemos". Em Maio fui a Bedzin e vi o apartamento onde a família do meu pai viveu. É uma casa de dois andares, com dois quartos em cima e dois em baixo. Hoje, uma família polaca vive na casa inteira, que está um pouco renovada, mas nessa altura penso que em cada quarto vivia uma família. Portanto, Rutka, o irmão, o meu pai e a sua mulher viviam todos num quarto, e foi aí que o diário foi escondido [debaixo do soalho das escadas]. Claro que não é a casa original do meu pai, ele vivia numa casa melhor e maior antes da guerra, mas os alemães puseram os judeus num único bairro. Os polacos que hoje lá vivem não souberam de nada até o diário ser descoberto e as pessoas começarem a vir ver a casa. Stanislawa Sapinska [a polaca com quem Rutka combinou o esconderijo do diário] ainda vive. Não era exactamente uma amiga de Rutka. O que aconteceu foi que durante a guerra alguns polacos foram expulsos das casas [nas zonas transformadas em guetos]. Os alemães punham nelas os judeus. E a família do meu pai estava na casa onde Sapinska tinha vivido. Ela vinha visitá-los e tornou-se muito amiga de Rutka. Não trabalhava longe, vinha quase todos os dias pela hora de almoço, e conversavam. Sapinska disse-me que Rutka era muito inteligente, muito aberta, muito madura para a idade, e que sabia muitas coisas que ela, Sapinska, não sabia. Quando Rutka compreendeu que não ia sobreviver à guerra disse a Sapinska que estava a escrever um diário e ambas decidiram que quando o fim viesse ela o esconderia num lugar da casa. [Quando Rutka e a família foram levados para Auschwitz - onde todos morreram excepto o pai, Yaacov -, Sapinska voltou à casa, retirou o diário e guardou-o. Recentemente, quando fez 80 anos, contou a história a um sobrinho, que a convenceu a entregar o caderno ao museu municipal de Bedzin.]
Foi Sapinska quem me contou tudo isto. Encontrei-a em Bedzin. É uma mulher muito simpática e disse-me que eu me parecia muito com Rutka, apesar de agora eu ser muito mais velha do que Rutka era. Depois perguntei pelo diário, porque o queria para a minha família, e disseram-me que ainda o queriam conservar algum tempo, mas o dariam se o Yad Vashem, o Memorial do Holocausto em Israel, o pedisse. Então voltei a Israel, comecei a negociar com o Yad Vashem, e eles concordaram em fazer uma cerimónia e convidar Sapinska e Adam Szydlowski, e eles concordaram em dar o diário ao Yad Vashem. Isto foi em Junho de 2007. Houve uma grande cerimónia e o diário tornou-se famoso no mundo. Agora está no Yad Vashem, em Jerusalém. Foi um choque para mim que Rutka soubesse tanto do que estava a acontecer no começo de 1943, as câmaras de gás em Auschwitz. Penso que é a coisa mais impressionante de todas no diário. Sapinska também me disse que Rutka sabia coisas. Rutka pertencia a um movimento de juventude que suspeito que estivesse ligado às pessoas na clandestinidade [da resistência polaca], que sabiam coisas. Temos de ter em conta que Bedzin é muito próximo de Auschwitz, e os comboios passavam, a caminho. Creio que as pessoas que queriam saber, que eram inteligentes e tinham ligações, sabiam. É impressionante, hoje, que ela estivesse a viver com esta consciência, e creio que é por isso que a preocupava tanto a necessidade de o diário ser salvo, e contar tudo. Perguntei a Menachem Lior, que era da mesma idade de Rutka, e ele disse-me que sim, que algumas pessoas sabiam, no começo de 1943. Creio que o mundo não queria saber.
O diário foi publicado em Israel há sete meses, e gente de todo o mundo contacta-me. As crianças agora vão à Polónia e fazem peças na escola sobre o diário de Rutka, Na Polónia, em Bedzin e na vizinhança já o estudam na escola. Julgo que também acontecerá em Israel, ainda é algo muito recente. Foi publicado em polaco, em hebraico, em inglês, e agora português é a quarta língua.
A partir de uma entrevista telefónica com Zahava (Laskier) Scherz, que vive em Rehovot, Israel, e é membro do Departamento de Educação Científica no Weizmann Institute of Science

 

 

 

In Jornal Público “Caderno P2” de 15.11.2007



publicado por asergio às 11:01
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13 comentários:
De Bruno Mendes a 17 de Novembro de 2007 às 12:20
é como fosse igual ao diáro de Anne Frank


De asergio a 18 de Novembro de 2007 às 11:44
É isso mesmo, Bruno, mas dentro daquela perspectiva sobre a qual conversámos na aula: maior proximidade (e por isso, maior conhecimento) dos campos de concentração e uma vivência maior sob o domínio nazi: a Polónia foi conquistada no fim de 1939 (por aí começou a II Guerra Mundial) e o diário, ao que tudo indica, foi escrito em 1943. Ou seja, entre os 10/11 anos e os 14 anos, essa menina viveu num país ocupado, a sobreviver sabe-se lá como!

Eu estou cheia de curiosidade para ler o livro. E tu?


De Marta Prazeres a 18 de Novembro de 2007 às 13:33
Estou muito ansiosa por comprar o livro!!


De asergio a 18 de Novembro de 2007 às 18:59
Marta
Já somos duas com uma prenda de Natal bem escolhida!


De Bruno Mendes a 19 de Novembro de 2007 às 20:26
Tb tenho alguma curiosida em saber como é


De asergio a 19 de Novembro de 2007 às 21:58
E já somos três. Que venham muitos mais!


De Marta Prazeres a 21 de Novembro de 2007 às 22:31
Tenho que o comprar o mais depressa possível !!
Já tenho necessidade de ler alguma coisa !


De asergio a 23 de Novembro de 2007 às 18:40
Marta

Nem imaginas o bem que me sabe escutar tais desabafos!!!


De Nicole Morais a 22 de Novembro de 2007 às 22:14
Olá professora... Sem dúvida esta parte que li, tem muitas coisas a ver com o Diário De Anne Frank!
Fiquei emocionada...
xau professora!


De asergio a 23 de Novembro de 2007 às 18:42
Nicole

E vais pedi-lo como prenda de Natal (ou poupas tu nas pastilhas elásticas para o comprares....)?


De andré a 23 de Novembro de 2007 às 14:48
olá "stora ".... Esta muito giro obrigado por este blog...


De asergio a 23 de Novembro de 2007 às 18:43
André

Obrigada pela visita e por teres gostado!

(Hoje deu-me para a bonecada!)


De Marta Prazeres a 26 de Novembro de 2007 às 16:45
A bonecada sempre alegra um bocadinho mais os comentários !!


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